Boa noite, meus queridxs!
Depois de algumas sextas-feiras, gostaria de dizer que eu estive ausente por ter viajado. Visitei minhas amigas e fiquei na casa delas. Agora, já em casa, trago a vocês mais um capítulo. Desculpem pela ausência.
Nesse capítulo, gostaria de avisar que há um termo de Harry Potter, e eu já o explicarei aqui mesmo, já que é apenas um.
QUADRIBOL: um esporte bruxo, criado por J.K. Rowling. Os jogadores ficam montados em vassouras, em que precisam arremessar a goles (bola) para o os aros suspensos no ar. Nos filmes de Harry Potter, são retratadas várias cenas de jogos de quadribol. Existe um livro, da mesma autora, chamado Quadribol através dos séculos, que explica muitas coisas legais sobre o esporte.
Finalmente, gostaria de dedicar essa postagem para um querido amigo que faleceu essa quarta-feira. Um colega de faculdade muito querido que sempre terei muito apreço. Vá em paz, Genubio, meu tocador de gaita preferido.
Além disso, para minha amiga Bárbara Rachel, parceira de clã, por ter criado um dos meus personagens favoritos. Sem você e ele (quem não irei declarar aqui para você, leitor, descobrir de quem se trata) Logan não seria nadinha. Muito obrigada.
Vamos à leitura!
xxxx
IV
Home?
— Quer namorar comigo?
Eu acho que
travei. Literalmente. Fiquei a olhando, paralisado, num olhar cheio de medo.
Não esperava isso nunca, logo dela! Não fazia sentido na minha cabeça. Eu que
planejei lhe pedir em namoro, não o contrário.
— Logan...?
Começou um
flashback frenético em minha mente, basicamente desde meus primeiros poucos
anos, talvez sete, oito de idade, quando a conheci. O pai dela é amigo do meu,
ou era, não sei como denominar agora. E, enquanto eles conversavam sobre
assuntos do Ministério, afinal, foram colegas de trabalho, ficávamos nós dois,
brincando. Estudamos juntos na mesma escola, na mesma sala, e eu sempre fui um
abestalhado. Não vou mentir, ela sempre foi linda, e eu... Acho que estou
começando melhorar agora. Espero que os anos sejam bons comigo.
Leah sabe,
sempre soube, que eu gosto dela. E eu acho que não é um simples gostar... Só
que ela sempre me desprezou, se é que me entende. Uma vez, nos meus dez anos,
nós dois, sozinhos, no parquinho, sentados um em cada balanço, eu me declarei
para ela e Leah disse um “tá bom” bem murcho, quase um foda-se em linguagem de
criança. Tinha dado até uma rosa vermelha... E ela me devolveu a flor.
— Logan? – a voz dela foi mais dura do que eu gostaria e eu
a olhei nos olhos, com o coração disparado e as mãos suadas.
Engoli seco. — Sim... – sorri largo, era tudo o que eu mais
queria na vida, só foi inesperado e sem sentido. — Eu quero, Leah.
— Ah, que bom...! – agora ela sorriu meio desdenhosa, com o
semblante atrevido, como quem tinha uma ideia maligna a executar. — Só gostaria
de estabelecer regras.
— Regras...? Mas...
É engraçado
como ela sempre mandou em mim... Sempre fez o que quis e mais um pouco comigo.
Por que eu sou tão trouxa ao ponto de deixar?
— Sim, Log. Eu quero um relacionamento aberto. – ela nem me
deixou falar.
— A-aberto? – mas isso não quer dizer que ela pode...?
— Sim. Aberto. Tudo bem para você?
Eu só
concordei porque estou anestesiado demais mentalmente. Não consegui processar
isso na hora, pelo simples fato de ela ser minha namorada!!! Meu Merlin... É um
dos meus sonhos se realizando! Horas depois ela foi embora e, ah...! Se
despediu com um beijo! Eu não preciso dizer que fiquei abraçado no travesseiro,
deitado, apaixonado...
Depois
desse dia, nós ficávamos juntos na escola, andávamos de mãos dadas e em todas
as vezes que ela enlaçava a mão na minha eu ficava com o coração acelerado. E
nos beijos então? Eu desfalecia com as mãos macias dela me tocando o rosto, o
pescoço, as costas... Admito minha inexperiência, ela me deu meu primeiro beijo
– apesar de não ser o primeiro dela... É egoísta eu querer que fosse comigo? Pois,
no fundo, eu sei que eu me guardei para ela. Romantismo à parte, idiotices à
parte também...
Ainda sobre
a escola, Elijah me deu exatas dez carteiras de cigarro para vender. Se eu
conseguisse vendê-las em duas semanas, as quantias de produtos só aumentariam,
para medirmos meu desempenho e tudo mais. Só teríamos que organizar a forma que
eu fosse receber os cigarros, talvez por coruja, já que minha avó não aceitaria
um transformista estranho em sua casa de jeito nenhum. Só os ricos, de terno,
do Ministério... E seus empregados.
Mudarei
para lá hoje, depois da aula.
Cinco e catorze. Logo
escureceria... O céu estava se preparando para o pôr-do-Sol, preguiçoso, ainda
azulado e cheio de nuvens brancas como o algodão. Já estava no trem de volta,
sozinho no assento, vendo a paisagem da cidade. Essa linha ferroviária cruza a
cidade toda, contornando todo o perímetro urbano. E a escola é um pouco longe
de casa, o suficiente para dar algumas horas a pé. Então, prefiro ir de trem.
Alisei as mãos, numa ansiedade idiota para chegar em casa. Ou não chegar. Não
queria ver mais desordem, só queria que minha vida se ajeitasse...
Senti as cicatrizes entre os
ossos de meus dedos, algumas ainda têm casquinhas de feridas que eu adoro
tirar. Cutuquei ali, numa memória não tão distante, do espelho se rachando e
estilhaçando, da minha imagem fragmentada nos cacos incontáveis. Franzi os
lábios sentindo um pouco de dor, os hematomas passaram há uns dias, pude desenfaixar
na quarta-feira. Meus olhos correram dali para o verde-alaranjado das folhas lá
fora, passando rápidas, dividindo o céu e a terra, colorindo o azulado bonito
como um borrão de tinta na paleta.
Quando cheguei em casa, já estava
quase escuro. Minhas coisas foram todas encaixotadas, eu iria com Elliot para
lá. Saímos, me despedi brevemente de minha casa – agora é minha, segundo as
leis de morte e sei lá mais o que. Terei o direito de usá-la, judicialmente
falando, quando tiver a maioridade. Não vai demorar muito, ao menos. Tinha uma
caixa de viagem com Tod dentro e mais uma caixa em mãos, a dos pertences
pessoais. Olhei-a uma última vez, por cima do ombro, e aparatamos.
A casa de meus avós
fica num condomínio, o Nobiles Palace. O melhor da cidade, inclusive. Elliot me
contou que até a ministra da magia e sua família moram lá. Não sabia disso, mas
que lá é enorme, eu sei. Vez ou outra minha avó dava festas em sua casa e convidava
toda a cidade - que só depois de um tempo fui perceber que era, literalmente, a
elite de Evgéneia. Aurores, diretores de departamento, juízes, empresários... A
lista é gigante se eu fosse descrever todos. Imagine só o luxo do lugar. Enfim,
não é isso que nos convém.
Minhas malas e demais
coisas já haviam ido com Elliot mesmo, não sei como ele não fica tonto por
aparatar tantas vezes! É uma mansão enorme, de estilo neoclássico, com uma
fonte de pedra branca toda elegante a esguichar água - até ela parecia brilhar
mais que o normal, deve ter sido encantada. O jardim muito bem cuidado, cheio
de árvores podadas para parecer cones perfeitos, de arbustos que contornavam
toda a extensão da casa, retangulares, como uma parede viva. O chão era todo de
uma pedra brilhosa, acinzentada, intrincada belamente em pequenos quadrados até
a entrada da mansão.
As paredes brancas e
altas se erguiam moldando a estrutura do lugar, de telhados azul-escuros,
janelas em vidro e com detalhes em ouro puro. A enorme porta branca também
tinha ouro a desenhá-la elegantemente. Sempre me senti um anão entrando aqui. Ao
menos, agora que estou crescendo, as coisas parecem estar ficando menores.
Elliot bateu à porta numa espécie de código e assim que um sino tocou, ele
tocou a maçaneta dourada e vi-o fazer uma careta rápida de dor, depois abriu a
porta.
Meu pai já me explicou
que há um reconhecimento sanguíneo na porta, de forma que, quando está fechada,
poucas pessoas têm permissão de entrar. Elliot trabalhou nessa casa a vida
toda, então, faz sentido que ele tenha seu sangue reconhecido. É uma picada no
dedo que o fura e o sangue escorre ali, sendo absorvido por magia. Ali dentro
continua sendo enorme para mim... O mordomo acenou para que eu passasse
primeiro e entrei, com minha caixa nas mãos. Um hall do tamanho de meu quarto
se fez presente, com dois mancebos dourados, um de cada lado das portas, o chão
todo de mármore branco e com desenhos também dourados, paredes imensas e com
quadros pendurados ali. Andamos.
— Senhor Logan, o senhor ficará no quarto de seu pai... Ordens da
senhora Harrison.
— No quarto do morto? Sério mesmo?
Ele permaneceu naquele semblante servil. — Não há outro cômodo
disponível, senhor. Sinto muito.
— Posso dormir com você? – olhei-o, tendo que erguer a cabeça para
isso.
Seu olhos se tornaram amarelos e a pupila, um risco, olhar reptiliano. —
A senhora Harrison não admitirá que seu neto durma com um criado. Você e sua
inocência, senhor Logan. – ele tirou as caixas de minhas mãos. Tod estava
adormecido.
— Você é muito mais que um criado para mim e sabe disso. Merlin...
minha avó é uma fresca.
Não tive tempo de ver
o breve sorriso que ele esboçou em seus lábios ressecados. Eu não esperei o
tabefe que levei na orelha esquerda, me fazendo ouvir um zumbido chato e olhei
puto de raiva, sentindo a orelha esquentar.
— Respeito é bom, Logan. – a voz nada doce de minha avó me fez sorrir
falsamente e quis rolar os olhos.
A senhora Nancy
Harrison, vulgo minha única avó – não faço a mínima ideia da família de minha
mãe –, é uma velha até bonita que não aparenta a idade que tem, talvez por
gastar pilhas de ouro com tratamentos milagrosos e rejuvenescedores. Alta,
branca, tão branca quanto leite, de olhos azuis claríssimos e os cabelos tão
loiros que chegavam a ser prateados. Algumas rugas aparentes, a pele já
envelhecida, setenta anos nas costas não são fáceis de esconder. Se vestia
elegante, como se tivesse acabado de sair de uma festa.
Sempre foi assim, deve
ter alguma linhagem de louros que só os Harrison têm, e que, bem, não faz parte
de mim. Eu sou completamente diferente deles, da feição, dos olhos, dos cabelos
e... Acho que até da índole. Pelos sonhos, mamãe é igual a mim, ou melhor
dizendo, eu sou igual a ela.
— Por que eu tenho que ficar no quarto de meu pai? – reclamei, ainda
com raiva.
— Porque não tem outro quarto, garoto. Ande logo. – seu tom de voz era
impaciente.
Ela me deu um
empurrãozinho em meu ombro e segui de olhos cerrados em minha raiva. Já não
queria estar ali, fui obrigado. Moraria sozinho numa boa, afinal, eu sempre
morei sozinho. Não tenho culpa se meu pai não tinha tempo para mim. Elliot me
levou até lá e vi minhas caixas empilhadas, espalhadas pelo quarto. Tinha uma
enorme cama de casal, maior que a minha, paredes de cor cinza, dois criados-mudos,
um de cada lado da cama, e nesta parede ficava a porta para o banheiro; um
enorme tapete circular e felpudo, uma estante de mogno que ocupava uma das
paredes inteira, onde o móvel se reduzia a apenas algumas prateleiras, ficava
uma mesinha do mesmo material. Meu pai trabalhava ali. Na outra, o guarda-roupas
fazia o mesmo, na última, ficava a janela, que era tão grande que parecia mais
uma porta de vidro, em que mostrava o jardim de inverno, cheio de plantas
exóticas, caras, e essas coisas de rico. Uma cortina que ia até o chão, branca,
me possibilitava tirar toda aquela luz que vinha do lado de fora.
Tudo parecia vazio e organizado para que eu preenchesse como bem
quisesse, menos os livros, que continuaram ali dando cor a essa imensidão cinza.
A única certeza era: teria muito trabalho pela frente. Sentei na cama, é
até macia, havia me esquecido de como era. Faz anos que não entro nesse
quarto... Que ironia ele ser meu agora. Alisei o cobre-leito verde-escuro e
aspirei, aqui ainda tem o cheiro dele, amadeirado, que sempre me lembra a
sensação de estar num bosque. Sentia-me a violar um espaço que não me pertence.
— Senhor Logan?
Ergui o
olhar para Elliot, tinha esquecido de sua presença. Ele deixou minhas coisas
sobre a cama e a caixa de Tod no chão. Sequei a lágrima que escorreu, foi
inevitável.
— Sim...?
— Está com fome, senhor? Deseja um banho? Gostaria que eu
arrumasse suas coisas?
— Bem... – eu estou com fome, mas foda-se. – Não, Elliot.
Pode deixar que eu organizo tudo. Mais tarde eu passo na cozinha.
— Está bem, senhor. Se quiser algo, me avise.
Ele fez uma
leve reverência e saiu do quarto, fechando a porta. Olhei para aquele tanto de
caixas de papelão e levantei para abrir a caixa de Tod. Ele saiu dali, espreguiçou-se
e bocejou como quem acorda de um sono delicioso. Deixei que subisse na cama e
ficou cheirando o ar, seu novo lar, infinitamente maior que o anterior.
— É Tod, nos mudamos. Desculpe o transtorno, amigo.
Ele começou
a correr na cama e a pular feito louco, ganindo feliz. Sorri fraco, a
criaturinha sabe como me animar. Passei as horas seguintes desencaixotando
coisas, separando, guardando, planejando onde deixá-las. Livros, roupas e
sapatos, pergaminhos, materiais escolares, quadros... Sem falar no banheiro.
Tive que refazer meu mini ateliê, que agora é bem maior, mas ainda sem móveis
para organizá-lo direito.
Oito e vinte e sete. Estava
exausto e faminto, essa é a verdade.
Banhei-me, fiquei mais um tempo
incontável na banheira, acho que até cochilei, só percebi que havia dormido por
ter escutado batidas na porta.
— Logan?
— Estou no banheiro!
Voz
masculina, forte. Meu avô, senhor Garrett Harrison.
— O jantar está pronto, venha comer.
— Ok...
O trabalho
que eu tive para levantar dali foi imenso, vontade? Não tinha. Minha pele ficou
toda enrugada. Demorei-me a me secar, pentear os cabelos, me perfumar e vesti a
primeira coisa que me veio na frente: uma samba canção preta. Cheguei na sala
de jantar, enorme, com uma gigantesca mesa de mogno com tantos lugares que eu
perdi a conta. Acho que dezesseis. Vinte? E com outros adornos que,
sinceramente, me deu preguiça de dizer. Só imagine uma coisa bem ricaça,
elegante, luxuosa, para receber mais gente rica.
— Logan! Vá se vestir, garoto! Que modos são esses?
Eu rolei os
olhos, rolei com vontade. Puta que pariu!
— Vó... Eu só vou comer, que diferença faz eu estar vestido
assim?
— Isso é falta de respeito! De etiqueta! O que seu pai te
ensinou? Ou já se esqueceu?! – ela falava esganiçado, quase nem respirava, com
a cara vermelha.
— Não precisa gritar, meu Merlin...
— Logan, vá se trocar, por favor. – o olhar duro de meu avô
me fez encará-lo com desgosto.
Igualmente
loiro, alvo, praticamente da altura de Elliot, e de olhos também azuis. Essa
porra é seleção natural ou o que? Eles dois até se parecem, digo, na
fisionomia. E quem é que usa um terno após chegar em casa? A primeira coisa que
eu faço é ficar pelado. Dei-lhes as costas, pisando forte, querendo esmigalhar
o chão. Senti o olhar de Elliot e o olhei brevemente, mais o da cozinheira,
Louise. Lá fui eu, caçar roupas que não tinha terminado de arrumar, jogando
tudo com raiva pelo chão e Tod me olhava meio assustado.
Bufava de
raiva quando voltei, de cara fechada, sem olhar para esses dois caretas. A
comida foi servida, cordeiro assado, purê de batatas, molho bechamel, uma
salada de folhas variadas e outra de ovos. O cheiro é até nostálgico, além de maravilhoso. Eu comi como se tivesse ficado dias
sem me alimentar, pouco me importando com a etiqueta, modos e essas porcarias.
Ouvi ela reclamar? Ouvi. Obedeci? Claro que não. Meu avô teve que intervir e
agradeci mentalmente, mas ainda estava puto com eles dois.
A sobremesa
era um pudim de quatro leites e salada de frutas. Apenas peguei uma porção do
pudim e deixei separado um pouco do cordeiro para Tod. Saí da mesa sem pedir
licença, apenas agradeci a Louise pela comida – havia me esquecido como ela
cozinha bem, e que comida divina! Ela deu um sorriso tímido e reverenciou-me
como se eu fosse uma espécie de lorde. Aliás, como todos os criados daqui
fazem.
Louise é uma
senhora de sessenta e poucos anos, de corpo rechonchudo e ainda assim, muito
belo. Cabelos grisalhos, olhos castanhos e grandes, baixa, a pele enrugada e o
uniforme de cozinheira. Transformista. Elliot me contou que ela se transforma em
animais bovinos. Nunca a vi transformada. E bem... só vi o mordomo transformado
no dia em que eu soquei o espelho.
Só sei que
me enfiei no quarto, tranquei-o, e não tive um pingo de vontade de sair dali. Eu não entendo. A ideia de se
morar em conjunto é, basicamente, ter harmonia entre as pessoas que se convive.
Como começar essa harmonia implicando com todas as coisas que eu faço? Eu estou
"em casa" e, quando se está em casa, você gosta de se sentir confortável.
Comer da maneira que quiser, o que quiser, enfim.
Quando eu crescer, meus criados - se é que eu vou ter criados, não vejo
necessidade de rotular assim - comerão comigo na mesa, da mesma comida que eu,
não precisarão ter um uniforme e muito menos me chamar de senhor a cada
instante. Elliot, por exemplo. O homem usa terno 24h por dia, nunca vi ele com
outra roupa. Será que ele dorme de terno? Meu Merlin... absurdo. Além de em
todas as vezes que me chamar, usar senhor. Eu tenho 14 anos!!! Nem senhor eu
sou!
Soquei o travesseiro num som surdo e respirei fundo, querendo gritar
com todo o ódio do mundo. Quer saber? Foda-se! Apaguei as luzes do quarto.
Peguei uma carteira de cigarro e o enfiei no bolso, minha varinha, um casaco, calcei alpargatas e fui até o banheiro. Acima da banheira, havia um basculante e ele seria
perfeito para meu plano de fuga. Subi nela, equilibrei-me na beirada e abri o basculante,
pulando e me esgueirei pelo espaço horizontal, tendo que ficar completamente
deitado para passar por ele. Rolei e caí meio desajeitado. Não era alto, nas
próximas vezes vou conseguir sair melhor.
Admirei o jardim, estava
na parte de trás da mansão. Sentia o vento soprar com força,
esvoaçando meus cabelos e os bagunçando. Era como se ele entendesse meu ódio... Senti um frio gostoso por eles
estarem molhados. Deixei aberta para poder voltar
depois, só teria que descobrir como dar um pulo decente. Como costumo fazer, eu fui sem rumo pelo condomínio, apenas para caminhar. Não tinha onde ir, não vinha aqui há muito tempo. Só queria
espairecer mesmo.
Andava examinando, vendo as casas enormes, uma mais linda que a outra, modernas, cheia de
adornos, como se competissem entre o dono da casa mais bela. O condomínio é dividido, literalmente, no meio: a metade esquerda é dos
transformistas, a da direita, dos bruxos. E aqui é tão grande que parece uma
vila. O Nobiles Palace corta a cidade exatamente na
divisória criada historicamente nessa rixa bruxa e transformista.
Têm mercados, academias, escolas, praças, quadras de quadribol*, salão
de festas, enfim! Tudo exclusivo para cada raça... Um transformista só pisa na
parte bruxa se for reservado com muita antecedência, assim como os bruxos também devem fazer. Quem é que precisa reservar com pelo menos 48h para ir visitar o amigo
do lado? Se é que são amigos... Quem me contou tudo isso foram Elijah e Kailee.
Aliás, todo mundo sabe desse condomínio, é o cúmulo da hipocrisia.
Vamos viver em harmonia! Entretanto, vamos viver em lugares separados, imagine só se meu filho puro sangue encontra um transformista! Que
horror! E isso vale para o inverso, de forma que a maioria dos transformistas
têm medo, asco, e muitas coisas mais por bruxos. Principalmente os ricos.
Aliás, é difícil ter alguém pobre nessa cidade.
O casarão de meus avós
fica na parte final do condomínio, perto da praça. Fui até lá, reparando como aqui
o paisagismo é muito utilizado, além de que não tinha uma folha no chão – e olha
que estamos em pleno outono. Caminhei até adentrar o lugar, havia um belo lago
de água cristalina, vários quiosques, bancos, casas de pássaros, pistas para
caminhada, um parquinho infantil... Dava para ver o campo de quadribol dali
também, mais ao fundo. A iluminação era feita por lamparinas a óleo penduradas numa
estaca de madeira. À medida que eu andava, mais lamparinas se acendiam, até um
bom pedaço do lugar estar iluminado.
Sentei num dos bancos
abaixo de uma araucária enorme e tirei o cigarro do bolso. Acendi e traguei, sentindo
um alívio inexplicável, como se a fumaça abraçasse meus pulmões e acalentasse
meu corpo estressado. Libertei-a por meus lábios demoradamente, e fitei o céu,
de estrelas mais brilhantes no dia de hoje. Amanhã fará uma semana que ele se
foi.
Travei a maxila num ódio
interno, ódio por ele ter me abandonado, por me deixar com dois velhos chatos...
— Tchau, Beren! Até mais!
Franzi
o cenho e não deixei de sentir meus dentes rangerem, da minha cabeça reclamar pela
força que eu colocava ali. Um grupo de garotos estava vindo do campo de
quadribol e alguns deles tinham vassouras consigo, menos um deles. Eles
pareceram se separar e eu reclamei mentalmente, porque minha paz interior havia
sumido. Traguei de novo, fingindo que não tinha visto ninguém passar.
— E aí, cara? Nunca te vi por aqui, se mudou pra
cá?
Ergui
o olhar, vendo o único que não tinha vassouras. Altura mediana, os cabelos
vermelho fogo, vestido com roupas compridas, calça, camiseta, tênis. Eu não sinto tanto frio assim. Quero dizer... Para mim está normal. Ele é familiar, mas não sei de onde o conheço.
— É... Eu me mudei hoje. – expirei a fumaça. —
Aceita um?
— O que é isso? – ele olhava meio curioso.
— É um cigarro, é um item trouxa.
Ele
não pareceu ter asco, apenas estranhou. Faz sentido. E isso me deixou
curioso... Ele não é um bruxo puro-sangue? Deveria me abominar agora. Ao menos
ele é simpático e... estranhamente, eu me sentia bem perto dele, como me sinto
com Kailee.
— Ah, não, valeu. Onde você mora? – ele se sentou.
— Na casa dos Harrison, a casa 20... São meus avós.
— Ah! Agora sei de onde te conheço... Você é o
filho daquele auror. Poxa, meus pêsames. Eu tava no velório, bem... Eu sou o
filho da ministra, te cumprimentei e tal...
Travei a maxila. Então é
por isso que ele é familiar... Sorri fraco e traguei, ao menos eu o conheci
antes, não é?
— É, meu pai... – liberei a fumaça pelo nariz. — Por
ele ter morrido, eu vim pra cá, morar com meus avós.
— Hum... – ele coçou a cabeça, meio nervoso — Eu
preciso ir... Foi massa te ver. Opa, eu não me apresentei. Sou Beren Teleri.
Beren me estendeu a mão e eu ergui a sobrancelha, a
encarando, depois seus olhos. — Logan Harrison. – apertei de volta.
— Nos vemos por aí, Logan! Moro na casa 10. Só me
chamar. – Beren se ergueu do banco.
— Ok. Até. – falei meio seco.
O
garoto foi e eu fiquei ali por mais algumas horas. Os cigarros foram acabando
fáceis, um atrás do outro. Eu não conseguia parar, era mais forte que eu. Acabei
voltando para a mansão quando todos acabaram, joguei-os no lixo ali perto,
afinal, imagine só um bruxo ver um cigarro!
Eu
não tinha consciência ainda, mas esse garoto dos cabelos de fogo se tornaria
uma das pessoas mais importantes para mim.
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Obrigada pela leitura! Comentem, compartilhem com os amigxs, espalhem amor!
Um abraço, Gih Amorim.
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